Sepukku - O Limite da Honra e da Lealdade

Saudações, continuando nossa série sobre os samurais, falaremos agora do que talvez seja a parte mais intrigante de todo o mito que os cerca: o Sepukku (切腹), ou Hara-kiri (腹切り) como é conhecido popularmente.

Um ponto importante a ser lembrado aqui é que os samurais não eram em sua totalidade guerreiros errantes solitários como se tem ideia na cabeça de muitas pessoas através de algumas mídias populares como filmes, mangás e etc. Essas obras tratam especificamente de guerreiros ronin, ou seja, um grupo específico que realmente viviam por usa própria conta. Contudo, muitos samurais prestavam serviços a um Daimyo, o equivalente ao senhor feudal que aprendemos nas aulas de história da escola.






O Seppuku basicamente era a forma de o guerreiro manter sua honra ou a do seu senhor ceifando sua própria vida através do Jumonji um corte horizontal no abdômen da esquerda para a direita e um corte para cima em seguida. “Era importante o corte ser no abdômen, pois era considerado o centro do corpo, das emoções e do espírito pelo povo japonês. Assim, o samurai estaria literalmente cortando a sua "alma". Ao acreditarem que essa estava limpa diante de sua honra, mostrava-se sua dignidade”.

Em poucos casos a pessoa era deixada para morrer dessa forma. O que ocorria quase sempre era a decapitação do guerreiro através de um exímio espadachim, ou Kaishakunin. Este ficava ao lado do suicida e sua função era cortar-lhe a cabeça para que este não sofra, pois parte importante do ritual é que o samurai não pode demonstrar medo e deve resistir à dor.

Em situações propícias, já que vários guerreiros praticavam o sepukku em meio ao calor do combate após ser derrotado por seus inimigos, todo o ritual é extremamente planejado, obedecendo a vários detalhes e critérios:
O suicida banhava-se, de forma a purificar o seu corpo e a sua alma e dirigia-se ao local de execução, onde se sentava à maneira oriental (seiza). Pegava então sua espada curta (wakizashi), ou um punhal afiado (tantô) e posicionava a arma no lado esquerdo do abdômen, cortando a região central do corpo e terminava por puxar a lâmina para cima.”

Ao lado dele ficava um amigo ou parente — o Kaishakunin — que portava uma espada. Era uma espécie de assistente do ritual; se o samurai demonstrava não estar mais suportando a dor, o kaishakunin dava-lhe o golpe de misericórdia, decepando sua cabeça.”


A decapitação também não poderia ser feita de qualquer forma: muitas vezes o suicídio era assistido pela família. Fazer com que a cabeça do guerreiro caísse no chão e rolasse diante de seus parentes era uma falta de respeito, por isso o responsável pela degola precisava conhecer o “daki-kubi”, técnica em que a cabeça continue presa ao pescoço após o corte, pendurada por uma camada de pele, fazendo o rosto do samurai morto ocultar-se contra o peito.

As mulheres também praticavam o hara-kiri. Nesses casos o ritual era acompanhado pelo próprio marido (ou sua realização era motivada pela morte do mesmo), e não poderia ser feito sem sua autorização. Há diferenças entre a cerimônia masculina e feminina, pois no segundo caso no lugar do corte era feita a perfuração da garganta ou do peito na região do coração, e podia ser usado o próprio palito adornado para render o cabelo como arma. E também era importante manter as pernas amarradas, para que elas não abrissem na queda do corpo morto e expusesse as partes íntimas.

Para nossa cultura ocidental, até hoje é difícil compreender esse tipo de atitude, pois para nós tirar a própria vida é considerado um ato muitas vezes de covardia. Porém devemos ter consciência de toda a filosofia do Bushido e mesmo do estilo de vida samurai

O samurai não vivia única e eternamente em batalhas e duelos. Sob tais condições é uma verdade segura e cristalina que o destemor da morte e a disposição ilimitada de perder a vida são as precondições para salvá-lo. Em tais casos, a disposição de morrer se confunde com a coragem ilimitada, a bravura produzida pela eliminação total do medo. Entretanto, além de um guerreiro em situações de batalha, onde tais virtudes lhe davam um valor militar reconhecido por todos seus adversários, o Samurai, como homem, exercia outras funções e em todas elas não perdia de vista o seu caminho, o Bushidô:

"O bushido é morrer. Se mantiveres teu espírito correto da manhã à noite, acostumado à idéia da morte e resoluto perante ela, e se te considerares com um corpo morto, unificando-te desta forma com o caminho do guerreiro, poderá passar pela vida sem possibilidades de falhares, desempenhando-te corretamente tuas funções"

Diz o Hagakure* precisamente, "viver consiste em morrer. Em se estar preparado para a morte. Para morrer como um homem. Um homem se reconhece de dar sua vida. Não apenas numa batalha, mas em tudo aquilo que faz. Não apenas na morte - que, para um guerreiro, sobretudo, pode ser o ponto mais alto ou mais baixo de sua vida - mas a cada instante e ato de sua vida."

Tal entendimento se filia a um dos preceitos enunciados no "Regulamento" do Daimyô 加藤 清正 Katô Kiyomasa quando sentencia: "Em tudo o que um homem faça deve ter posto o seu coração.”

É isso aí, pessoa. Esperam que tenham gostado desse pequeno resumo sobre esse misterioso e intrigante ritual que fez parte da cultura dos grandes guerreiros samurais. 
Até mais!


Clef O'Donnell

Referências:

“SEPPUKU - O Lado Extremo da Honra (por Juliana L. S. Galende)” , da Sociedade Brasileira de Bugei
“Como funcionam os samurais – seppuku”, do How Stuff Works
“Seppuku”,  da Sociedade urawaza de Artes Marciais


*Hagakure: que pode ser traduzido tanto como “folhas ocultas” ou “oculto pelas folhas” – foi publicado em 10 de Setembro de 1716, e é uma compilação das filosofias de Yamamoto Tsunemoto, um vassalo de Nabeshima Mitsushige, o terceiro senhor do feudo Nabeshim (texto extraído do site do Instituto Niten, disponível em http://www.niten.org.br/penaespada/penaartigos/hagakure.html)

1 - texto extraído conforme escrito em http://www.bugei.com.br/artigos/index.asp?show=artigo&id=83

2 - texto extraído conforme escrito em http://www.urawazabugeikai.com.br/index.php/cultura/102/313-seppuku